Qualidade e Saúde
O setor de saúde vem experimentando profundas transformações ao longo dos últimos anos; novas tecnologias, novos desafios, recursos escassos, competitividade acirrada, consumidores exigentes, processos cada vez mais complexos. A busca de uma gestão com qualidade total é um sistema gerencial capaz de auxiliar as instituições do setor de saúde a enfrentarem os desafios dessas transformações. Muito mais do que um conjunto de métodos, ferramentas e técnicas, a gestão pela qualidade total propõe uma nova postura, uma nova atitude diante das pessoas e dos processos de trabalho, com o objetivo final de obter resultados significativos para as organizações que a adotam, bem como de aumentar a satisfação dos clientes com os serviços prestados.
Ah! satisfação. Palavra muito utilizada pouco praticada e menos ainda interpretada quando diante de uma pesquisa realizada com o usuário.
Tornou-se lugar-comum, no âmbito do setor saúde, repetir, com algumas variantes, a seguinte frase: saúde não é doença, saúde é qualidade de vida. Por mais correta que esteja, tal afirmativa costuma ser vazia de significado e, freqüentemente, revela a dificuldade que temos, como profissionais da área, de encontrar algum sentido teórico e epistemológico fora do marco referencial do sistema médico que, sem dúvida, domina a reflexão e a prática do campo da saúde pública e privada.
Dizer, portanto, que o conceito de saúde tem relações ou deve estar mais próximo da noção de qualidade de vida, que saúde não é mera ausência de doença, já é um bom começo, porque manifesta o mal-estar com o reducionismo biomédico. Porém, pouco acrescenta à reflexão. O termo qualidade de vida aparece sempre com sentido bastante genérico. Ora é empregado como título de seminários, chegando a designar o 2º Congresso de Epidemiologia, Qualidade de vida: compromisso histórico da epidemiologia,(Lima e Costa & Sousa, 1994) , ora está associado a algumas classificações nos agrupamentos dos trabalhos dos vários congressos. Porém, em nenhum momento, existe uma definição dessa relação, seja no nível mais elementar de noção, e muito menos, como conceito.
Isso quer dizer que se a idéia geral de qualidade de vida está presente, precisa ser mais bem explicitada e clarificada. Na abertura do 2oCongresso de Epidemiologia, Rufino Netto (1994) assim se refere:Vou considerar como qualidade de vida boa ou excelente aquela que ofereça um mínimo de condições para que os indivíduos nela inseridos possam desenvolver o máximo de suas potencialidades, sejam estas: viver, sentir ou amar, trabalhar, produzindo bens e serviços, fazendo ciência ou artes. Falta o esforço de fazer da noção um conceito e torná-lo operativo.
A área médica, por sua vez, já incorporou o tema qualidade de vida na sua prática profissional. Quando se apropria do termo, porém, o utiliza dentro do referencial da clínica, para designar o movimento em que, a partir de situações de lesões físicas ou biológicas, se oferecem indicações técnicas de melhorias nas condições de vida dos enfermos. A expressão usada é qualidade de vida em saúde. No entanto, a noção de saúde é totalmente funcional e corresponde ao seu contrário: a doença em causa, evidenciando uma visão medicalizada do tema. Os indicadores criados para medir esta qualidade de vida são notadamente bioestatísticos, psicométricos e econômicos, fundamentados em uma lógica de custo-benefício.
E as técnicas criadas para medi-la não levam em conta o contexto cultural, social, de história de vida e do percurso dos indivíduos cuja qualidade de vida pretendem medir . Quanto mais aprimorada a democracia, mais ampla é a noção de qualidade de vida, o grau de bem-estar da sociedade e de igual acesso a bens materiais e culturais(Olga Matos, 1999). A partir do final dos anos 70, tanto na Europa quanto nos EUA, vários movimentos – ora entrando em conflito, ora reforçando-se mutuamente –, que fizeram parte de um processo mais amplo de transformações econômicas,políticas e culturais, deram aos pacientes um novo lugar na avaliação dos serviços de saúde.
No setor público, os custos crescentes dos serviços de saúde foram um dos elementos que favoreceram as políticas reformadoras e de restrição de gastos, e o surgimento de novos modelos de gestão visando maior transparência , qualidade e eficiência dos serviços . As primeiras pesquisas no campo da avaliação em saúde, ainda na década de 1970, referiam-se à satisfação do paciente. O objetivo era conseguir melhores resultados clínicos, por meio da adesão ao tratamento, em três dimensões: comparecimento às consultas; aceitação das recomendações e prescrições e uso adequado dos medicamentos.
Estas pesquisas foram antecedidas por estudos que, na área das Ciências Sociais e Humanas (Parsons, 1951; Szasz&Hollander, 1956; Coser, 1956; 1962; Cartwright, 1964), focalizavam as relações médico-paciente no contexto da clínica ou do ambiente hospitalar (Williams, 1994;Siztia & Wood, 1997; Donabedian, 1984). Existem vários modelos que medem a satisfação do paciente, mas todos têm como pressupostos as percepções do paciente
em relação às suas expectativas, valores e desejos (Linder – Pelz, 1982; Williams, 1994; De Silva, 1999). Satisfação do paciente pode ser definida com “as avaliações positivas individuais de distintas dimensões do cuidado à saúde” (Linder-Pelz,1982). Estas avaliações expressariam uma atitude, uma resposta afetiva baseada na crença de que o cuidado possui certos atributos que podem ser avaliados pelos pacientes (Sitzia&Wood, 1997).
Se as pesquisas de satisfação deram destaque ao lugar dos pacientes nos serviços e sistemas de saúde, o conceito de responsividade fortaleceu esta posição, dando-lhe o status de um individuo/cidadão, ou seja, de um sujeito de direitos válidos universalmente. O sujeito adquiriu um lugar – social, político e simbólico – proeminente, na avaliação dos sistemas e serviços de saúde, seja ele no papel de paciente, usuário, consumidor ou cliente. Esse lugar varia de acordo com o contexto em que cada um desses papéis do sujeito é exercido, mas qualquer um deles, que muitas vezes depende do modo como o sistema de saúde é desenhado, não elimina o fato de que todos podem ser abrigados pelo guarda-chuva mais geral dos direitos – individuais e sociais.
A extensão de valores universais para o campo da saúde, inclusive para a avaliação de suas dimensões organizacionais – serviços e sistemas – significou a ampliação do consenso internacional em relação a direitos individuais como direitos humanos, ainda que esse consenso não se aplique quando se trata da formulação de direitos sociais em saúde, o que depende dos valores e das condições históricas próprias dos diferentes contextos nacionais. Os conceitos e instrumentais metodológicos são construídos como parte de processos históricos e o vocabulário utilizado no campo da saúde está ligado às mudanças no modo de se pensar o papel e o lugar do usuário nos serviços e sistemas de saúde.
Se o conceito de satisfação privilegiou o usuário na avaliação da qualidade em saúde, o de responsividade busca tornar mais objetiva a mensuração dos aspectos do cuidado que correspondem às expectativas legítimas de indivíduos e coletividades – ou seja, aqueles mesmo aspectos afirmados pelos princípios gerais que o conceito de humanização supõe. Por outro lado, do ponto de vista das instituições, a responsividade está ligada ao enforcement dos direitos dos pacientes nas sociedades democráticas. Esperamos que o escrito possa contribuir para ampliar a compreensão dos significados desses conceitos, bem como suas possibilidades de aplicação em pesquisas de avaliação e nas práticas de saúde.
A qualidade de serviço prestada a uma comunidade, o nível da satisfação dos pacientes, dos funcionários da Instituição e as metas traçadas pelos gestores, estão em choque constante. A avaliação desses setores está prejudicada e não adianta escondermos a realidade. A competitividade entre as instituições é boa e é ruim. Todas estão preocupadas em ofertar aos usuários as melhores maquinas, buscar um resultado estatístico sempre crescente nos atendimentos, no numero dos procedimentos/dia ou mês e outros parâmetros, cujo conjunto prejudica seriamente o exercício profissional em qualquer especialidade. Se faz necessário “ouvir o que o paciente tem a dizer”, observá-lo, saber conduzir uma história clinica.
Medicina não deve ter “modismo”. A empatia nem sempre fala alto mas a capacidade do profissional, jamais pode ser relegado. Não estamos a falar de um artigo de prateleira mas sim de uma vida. E por estarmos vivenciando um momento de escassez cultural, ausência de educação, onde a ingratidão passou a ser uma das atitudes mais em voga dos humanos, a vasta pobreza, a dificuldade de um lugar ou alguém para nos dirigirmos e sermos ouvidos e termos a certeza que teremos o problema solucionado, onde a desconfiança é generalizada, onde o se praticar o bem se tornou absurdo, onde se dar sem troca caiu no absoluto esquecimento. O que podemos esperar?
De um lado o inconformismo com o atendimento ( qualidade – satisfação) por parte do paciente e do outro lado as instituições e os profissionais também insatisfeitos com a situação global (salários, local de trabalho, segurança, “exigência” do paciente e da instituição). Avaliar a satisfação do cliente e falar sobre a qualidade do atendimento, será real o resultado obtido?. Caberia refletir ou continuar a mentir?. Vou esperar porque não tenho outro local para onde ir. Vou continuar porque não tenho outro local para trabalhar!. E eu escrevo e espero que você tire suas próprias conclusões.
Dr. Hipólito Monte
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